sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Exercitando a Liberdade

John Stuart Mill escreveu, em 1859 (!): “A única liberdade que merece o nome é a liberdade de procurar o nosso próprio bem à nossa própria maneira, desde que não tentemos privar os outros do seu bem, ou colocar obstáculos aos seus esforços para o alcançar. (…) As pessoas têm mais a ganhar em deixar que cada um viva como lhe parece bem a si, do que forçando cada um a viver como parece bem aos outros.” Parece-me que este conceito de liberdade cobre aproximadamente todas as suas vicissitudes, mesmo que hoje em dia pareça apenas mais um truísmo, uma parangona lançada aos quatro ventos para fazer um brilharete com a nosso “esclarecimento intelectual”. Mesmo assim, esta frase feita, cinzelada com o escopro das ideologias no nosso “código genético” cultural, não é facilmente refutada na sua essência, e poderemos perseguir a ideia que nela se veicula como objectivo de vida, como uma meta dos nossos exercícios de liberdade.
No entanto, como bem sabemos, a sociedade tem de estabelecer padrões, construindo obrigações e deveres inevitáveis. Mas tais agrilhoamentos serão, em última instância, garantias de que a liberdade não cairá nos braços bronzeados de apenas uns poucos. A liberdade exercita-se, muscula-se, procura-se activamente, não por testes constantes aos limites físicos e de poder mas sim através daquilo que muito bem se chama “alargamento de horizontes”. Fernando Pessoa dizia: “Porque eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura.” Permitam-me (e permitam-se) que o repita hoje e todos os dias.
            A maioria das pessoas encontra-se demasiado agarrada ao mundo, como se olhassem de dentro de si próprias - do seu próprio universo - para esta vida que levamos a correr. Explico melhor: existe uma espécie de limiar, das coisas do dia-a-dia, que temos de saber superar, olhando “de cima” para a humanidade. Só assim conseguiremos relativizar os nossos problemas, e sentir um aconchego por fazermos parte de algo maior. Seremos mais descontraídos. Contudo, para atingirmos o contrário absoluto desta forma de vida teríamos de ir viver para as montanhas, saindo por completo do mundo, das inquietações quotidianas da modernidade. Acabaríamos por ser igualmente fúteis, por nada nos agarrar à terra.
            Assim, esperando que concordem comigo, proponho que a melhor maneira de aproveitarmos estes dias em que mantemos os olhos abertos será subindo ao limiar de que já falei, algures na atmosfera, de forma a tratarmos dos acasos das nossas vidas, enquanto, ao mesmo tempo, mantemos um filosófico olhar nas deslumbrantes grandezas do mundo.
            A minha sugestão é a literatura. Ler como exercício de liberdade. Podia arriscar ir mais longe nos meus conselhos, e dizer que existem livros mais libertadores que outros. Mas isso, como somos livres, fica ao critério de cada um, até porque ler por prazer, a única forma de o fazer, também dá lugar a livros menos “pesados”, no sentido de que precisamos de uns metafóricos pesos para tonificarmos os nossos bíceps cerebrais. Visitem uma biblioteca pública e sigam esta verdade insofismável: normalmente, os romances com mais fita-cola nas lombadas são os melhores.
É verdade, e decerto virão a concordar comigo se seguirem o meu conselho: ler um bom livro é uma das melhores maneiras – é de certeza a mais automática e célere – de alargar os nossos horizontes, de aprender a sentir e a pensar diferente (e que não há mal nenhum nisso, por tudo já ter sido sentido e pensado por outros antes de nós), e de ver mais daquilo que está à nossa volta. Ver mais do que aquilo que está à vista.
            Os livros de uma biblioteca são os maiores artefactos da democracia – são os depositários da liberdade (o Homem livre não está preso ao mundo) e são livres, não dependendo da economia, mas do interesse de cada um. Se a minha biblioteca pessoal já começa a reflectir aquilo que sou (em construção até ao fim e de olhos postos além do que vejo), uma biblioteca pública mostra-nos, de uma forma pungente e sincera, aquilo que somos como humanidade (eternamente em construção e de olhos postos em tudo). Façamos das bibliotecas os mais verdadeiros ginásios, onde exercitamos a nossa liberdade e alargamos o nosso mundo com todos os mundos ainda à espera de serem lidos. É apenas uma questão, como já disse, de arriscarmos ver de mais alto tudo aquilo que podemos ser.


emanuelmadalena@hotmail.com


2 comentários:

  1. Obrigada por partilhares a tua biblioteca comigo. Como sabes tenho gostado imenso dos livros que me tens sugerido. Tal como escreveste têm-me alargado os horizontes e elevado como ser humano.

    Ana Henriques

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  2. É absolutamente delicioso quando nos deixamos envolver por palavras escritas por outros, quando deixamos de ser nós para sermos criaturas de um meio imaginário. Passamos de fora para dentro, sentimos o cheiro, distinguimos cores, criamos cenários e voamos. Não apenas no sentido lato da palavra, voamos sem asas, descobrindo um universo fugaz, que não é nosso nem nunca o será, que resulta da tinta de alguém que sentiu liberdade para dar forma aos pensamentos mais íntimos.
    De facto, se nos mantivermos à sombra da nossa árvore do conhecimento os livros certos não caiem das àrvores, por isso é necessário alargar horizontes, provar a liberdade dos outros e dar a conhecer a nossa. Só assim nos podemos afirmar como seres humanos e não como seres fúteis dependentes de uma Humanidade que não existe como um todo.

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